Thursday, December 11

Sala do Acervo em exposição: preços

Reserva técnica da galeria, acondicionamento correto.
Uma boa galeria além de exposições temporárias com artistas interessantes, precisa ter um grande acervo para oferecer muitas opções aos seus clientes.

Veja a lista de preços de algumas obras da nova Sala do Acervo da Galeria Virgílio. Valores válidos dia 10-12-1014




Sala do Acervo: exposição com amostra de diversos artistas


A esquerda em cima.
Denise Milan, fotografia R$6.000 ( 93x73cm)
Danilo Oliveira, pintura R$10.000 (100x140cm)
Amalia Giacomini, objeto de parede R$ 8.000 (55x70cm)

Embaixo 

Mariana Matos (pintura sobre papel), R$ 6.500 (86x122cm)
Fernando Burjato, pinturas R$
7.000 (100x130cm)
Danilo Oliveira, pintura  R$9.700 (120x100cm)










Mariana Mattos, pintura, R$12.500 (150x200cm)










- Danilo Oliveira, pintura  R$9.700 (120x100cm)
- Denise Milan, fotografia R$ 7.000 (70x47cm)
- Reynaldo Candia, (azulejos vermelhos 49x43cm R$2.500, (cartas recortadas 64x43cm) R$ 3.000)
- Ana Brenguel, pintura R$ 2.500 (30x45cm)








Osmar Pinheiro, pintura R$ 35.000 (100x140cm)







A esquerda
Fernando Vilela, pintura R$ 7000 (50x70cm)
Helio Bartsch, colagens R$ 3000 (34x25cm)
Renata Pedrosa, desenho R$ 3500 (50x64cm)
Celina Yamauchi, fotografia R$ 3600 (44x44cm)


A direita

Marcia Cymbalista, desenhos R$ 1200 (40x55cm)
Rafael Pagatini, xilogravura R$ 4.000 (36x46cm)






Jimson Vilela, (livro aberto recortado) R$ 6.500









Reynaldo Candia, (livro escavado R$ 3.000)












Mariana Matos R$ 10.600 (140x180cm)
Carolina Paz R$ 5.000 (50x31cm)
Inaê Coutinho R$ 6.000 (36x53cm)









Claudio Matsuno, colagens com desenho R$ 1200 cada (50x60cm) (faz parte de um tríptico)
Marcelo Comparini, 100x80cm (TV) R$ 9.000, pintura 30x40cm R$ 2800, pintura 50x60cm R$ 5000



Para mais informações contate Galeria Virgilio
galeriavirgilio2@ gmail com

Saturday, December 6

O colecionador eventual e o profissional

Existem basicamente dois tipos de colecionadores de arte, os eventuais e os profissionais. Os eventuais compram arte de vez em quando para decorar os espaços da casa, ja os colecionadores profissionais compram regularmente e as vezes mal têm lugar para guardar tamanho acervo. Estes colecionadores constantes compram como investimento ou por esporte, ja o eventual pode também comprar para investir, mas em geral não são tão criteriosos, compram estritamente pelo gosto.

O colecionador profissional sempre desperta grande interesse das galerias, artistas e curadores, suas coleções podem trazer grande notoriedade, para eles mesmos e seus artistas. Este perfil de comprador verifica o currículo dos artistas, interessa a ele ver uma carreira em desenvolvimento. Suas coleções podem ser especializadas em certos nomes e estilos, ou podem ser bem diversificadas. As coleções especializadas são uma interessante estratégia, porque atrai o interesse de museus e pesquisadores. Assim adquirir várias obras dos mesmos artistas, ou dar um perfil, valoriza a coleção, e valoriza os artistas. Existem grandes coleções muito diversificadas que não têm a mesma relevância de pequenas coleções especializadas. Por exemplo a coleção Adolpho Leirner especializada em arte construtiva, que adquiriu de artistas brasileiros na década de 1960 a preços muito acessíveis. Toda a coleção com dezenas de obras foi depois comprada em 2007 por um museu de Houston, EUA (http://www.mfah.org/art/collections/the-aldolpho-leirner-collection/). Outro exemplo de coleção especializada é a de Bernardo Paz, fundador do Instituto Inhotim. No caso dele são muitas instalações e não foram compradas a preços módicos, pelo contrário, são obras de grandes artistas da atualidade.

Uma coleção pode ser mais agressiva, com nomes emergentes, ou mais conservadora acumulando obras de grandes nomes. As coleções agressivas tendem a valorizar mais com o tempo, porque a evolução de preços de jovens artistas tende a ser mais rápida, enquanto artistas consagrados podem ter seus preços com evolução mais lenta.

Apesar da importância do cliente profissional, todo colecionador começa como eventual, e a formação de novos públicos passa pela formação de novos clientes eventuais, é neles que reside o grande potencial de crescimento deste mercado.

Ricardo Ramalho
Galeria Virgilio


Tuesday, December 2

Estamos na feira Pinta Miami 2014

Montagem da Feira Pinta Miami com obras de Martinho
Patrício e Armando Queiroz

 A Feira Pinta Miami é um evento paralelo a Feira Miami Basel e marca a retomada da Virgilio nas feiras no estrangeiro. A Pinta tem apenas 60 galerias, permitindo um contato mais estreito do público com as galerias, enquanto a Miami Basel tem por volta de 250 galerias, sendo assim mais saturada.

Thursday, November 27

A lista de preços da exposição BR 2014

Exposição BR 2014
Segue abaixo a lista de preços das obras dos artistas da exposição BR 2014, em cartaz na Galeria Virgílio até o dia 31 de Janeiro 2015. Apresentamos apenas uma obra por artista, visto que alguns artistas estão com mais de uma obra. Eventualmente estes artistas tem obras mais caras e mais acessíveis.

Por que publicar preços online? Acreditamos em facilitar o acesso as informações, desmistificar o mercado de arte, e empregar recursos diversificados de divulgação.

Na entrada da exposição temos a lista
de preços,venha fazer uma visita.
Veja abaixo uma amostragem.
É apenas uma lista de preços, com referências de imagem, não pretende ser um catálogo nem substituir a apreciação ao vivo das obras. Os preços são válidos nesta data 27 de Novembro de 2014, podendo ser atualizados a qualquer momento em outras listas ou por outros meios.

Para mais informações contate
galeriavirgilio2 @ gmail.com (Ricardo Ramalho)

Renata Pedrosa, a escultura de sombras, peça maior R$ 3500

Barbara Rodrigues, desenhos de beija-flores realistas,
algo altamente colecionável, R$ 2500













Veja abaixo o restante da lista (para abrir clique no "read more")

Exposição coletiva BR 2014

Coletiva de final de ano na Galeria Virgilio, BR 2014, com desenhos e fotografias de artistas do nosso acervo. 

Abertura sábado dia 22 de novembro às 11 horas até 31 de Janeiro 2015. O mercado de obras em papel tem crescido muito no Brasil, o material possui um charme a parte, é fácil de conservar, armazenar e assim representa uma excelente opção de investimento. Segue a lista de artistas da exposição.
- Desenhos
Adalgisa Campos, Barbara Rodrigues, Claudio Matsuno, Daniel Caballero, Danilo Oliveira, Deco Farkas, Diogo de Moraes, Fernando Burjato,
Jimson Vilela, Júnior Suci, Marcia Cymbalista, Martinho Patrício, Mônica Rubinho, Renata Pedrosa, Reynaldo Candia, Ricardo Bezerra e Rosana Paulino.
- Fotografias: Cafi, Celina Yamauchi, Denise Milan, Fabio Okamoto, Fernando Vilela, Martinho Patrício, Inaê Coutinho, Paulo Jares, Rafael Pagatini e Solon Ribeiro.

Serviço:
Galeria Virgilio, Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto 426 - São Paulo SP - Brasil - CEP 05415-020 - Telefone: 55+11 2373.2999
De segunda a sexta das 11 as 19 horas. sábado das 11 as 17 horas
Exposição coletiva BR 2014 de 22-11-14 a 31-01-15
www.galeriavirgilio.com.br
www.facebook.com/galeriavirgilio



Por que um blog?

Caras amigas e amigos da Galeria Virgilio,

Temos um belo site www.galeriavirgilio.com.br e criamos este blog pela mesma razão que milhões de pessoas criam blogs, para compartilhar informações de forma dinâmica, gerar conteúdos online para a arte contemporânea, e preservar estes conteúdos numa plataforma flexível, simples, e que permite a busca e resgate destas informações.

O afinal que é um blog? A palavra blog é uma corruptela de "web log", ou "registro na rede". De acordo com o dicionário Webster, um "log" é um "record of performance, events, or day-to-day activities". Existem blogs muito importantes, e alguns podem ser mais importantes do que sites.




Aqui estamos em permanente construção e desenvolvimento, teremos textos sobre arte, mercado, informações sobre nossos artistas e atualizações sobre a Galeria Virgílio. Caso encontre alguma anomalia contacte por favor galeriavirgilio2 @ gmail.com (a/c Ricardo Ramalho).

Os blogs são usados por várias empresas e jornais como um canal adicional de comunicação e tem algumas vantagens sobre sites convencionais: os blogs trazem aquele "algo mais", funcionam como revistas, podem ser experimentais, são mais dinâmicos, podem abarcar temas correlatos ao negócio, e as atualizações e novidades são armazenadas numa ordem cronológica. Ja o site funciona como um cartão de visita, uma bandeira online. Quando um site é atualizado, certos conteúdos anteriores ficam perdidos. O blog tem outra dinâmica, os conteúdos são sobrepostos numa linha sucessiva e você pode voltar na linha do tempo. O Facebook é uma espécie de micro blog, porém é limitado nos mecanismos de busca, não permite customizações, e conteúdos antigos ficam inacessíveis. 

Um abraço, esperamos que vocês apreciem!

Tuesday, November 4

Diogo de Moraes

Texto da exposição:

Diogo de Moraes: transeunte tautológico
O desenho como direito de resposta

Diogo de Moraes está entre os artistas que entendem a obra como processo. Está também entre os que têm na rua e na malha do real, seu espaço de trabalho. Seu método consiste na invenção de uma operação de mapeamento de percursos urbanos. Tal procedimento, considerado por ele uma empresa, ou um empreendimento poético, permite-o fazer da prática do caminhar cotidiano, um ato performático. Devidamente trajado com seu Uniforme de trabalho – que consiste em uma camisa com um logotipo bordado e um bolso adaptado para portar seus instrumentos de trabalho –, o artista encarna o funcionário de sua própria empresa, denominada Giro. Sua função: “procurador de sentido”. Seus instrumentos: um bloco de desenho, uma caneta, um bilhete único e um passe de metrô.

O procurador de sentido de Diogo de Moraes se dedica ao trânsito, a pé, ou via transporte público. Em seus trajetos faz anotações e desenhos, sem esquecer do motivo pelo qual as imagens são produzidas: servirem de instrumentos para orientá-lo no mundo . Implícita à essa deriva está, portanto, uma tarefa flusseriana de reação ao poder do instrumento. Seu desenho funciona como um “direito de resposta” a uma realidade urbana programada e controlada por aparelhos. Ao testar sua capacidade de decifrar a informação visual que se lhe apresenta durante o caminhar, o artista reconhece que imagens são mapas do mundo. O desenho, portanto, não é lugar de registro do que vê, mas é onde seu discurso se dá.

Os Desenhos de percurso não são anotações descritivas, riscadas no calor da hora, esboçadas nos momentos de passagem. São esquemas visuais sintéticos, elaborados segundo um código específico que integra texto e imagem. Há um padrão que se repete: no alto da página, o local da cidade de São Paulo onde se dá a ação; no centro, o desenho da ação; na base, um comentário, uma expressão de efeito, uma frase feita. A padronização facilita a leitura dos desenhos como relatórios sobre eventos, estados e situações da vida na metrópole.

O funcionário Diogo de Moraes tecniciza seu desenho, atribuindo-lhe a qualidade esquemática do emblema, do ícone, da logomarca. Munido apenas de papel e lápis (ou caneta, enfim) – instrumentos de papelaria, pré-industriais, pré-digitais, pré-quase-tudo –, o operário-padrão Diogo de Moraes transforma a imagem em imagem técnica. Sua empresa (obra) é um aparelho de informação. Um dispositivo de decodificação de imagens e de produção de sentidos, cujo ícone, uma guia de calçada desenhada em círculo, é uma cobra que morde o próprio rabo. O artista é criador e criatura de um esquema que evoca e confirma a circularidade da perambulação cotidiana, do pensamento, da interlocução com o mundo.

Paula Alzugaray

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta - Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.
São Paulo: Editora Hucitec, 1985.
“O desenho como direito de resposta”, nas palavras de Diogo de Moraes.

Fábio Okamoto - texto

Texto da exposição:

Camadas de sentido - Fábio Okamoto

O repertório visual urbano é desde há muito um leitmotiv para boa parte da obra de Fábio Okamoto. É sobre ele que o artista opera e desenvolve sua pesquisa fotográfica, movido por um olhar preciso e treinado na captação do potencial de plasticidade oferecido pelos objetos, arquiteturas, ângulos instigantes e demais arranjos que a metrópole calhe de conter.
O foco de sua produção agora se mostra claramente fechado no desejo de uma aproximação com o vocabulário formal da pintura, em um mote investigativo que indica o afã em se valer da fotografia também como um veículo a ser explorado para além das especificidades clássicas desta linguagem. Texturas e grafismos de intenso apelo gráfico em muros e paredes descascadas — ou "pinturas espontâneas", como o artista sintomaticamente as chama —, suas imagens se convertem em "situações estéticas" prontas mas também podem ser vistas como um delicado comentário arqueológico do presente, ao escavar nas fissuras da cidade certa energia vital que insiste em sobressair do tecido da urbe de modo silencioso, apenas à espera de ser percebida e capturada. Tal procedimento sugere uma pulsão de se recuperar em alguma medida uma idéia de beleza possível em meio à profusão de estímulos sígnicos que conforma a visualidade convulsiva da grande cidade; beleza que se revela sorrateira e inegavelmente nas formas que emergem por detrás de camadas de tinta e reboco que as encobre. Mas por trás de tal leitura, de tons estetizantes, há ainda uma vontade de dar vazão a outras inquietações, outras camadas de sentido: aquelas que falam do ruído que rege a existência na metrópole. Ruído surdo, que se confunde com os tantos dispositivos compulsórios de amortecimento perceptivo e pasteurização das sensações que condicionam a experiência da vida urbana cotidiana.

Mas... também essas frestas que Okamoto revela não se constituiriam em um tipo de ruído elas próprias, em sua presença quieta e dissonante, a um só tempo imbricadas e alheias ao contexto em que se encontram? Capturadas em composições de sóbria elegância, estas fissuras "pictóricas" emergem um pouco como cicatrizes belas e incômodas, a um só tempo assinalando o desencanto com a ação humana que as encobre — há aí uma idéia de "ruína" que interessa ao artista — como a possibilidade de entrever alguma leveza em meio a tanto peso.
O uso do preto-e-branco em algumas imagens reforça a vocação de expressividade abstrata involuntária das texturas-décollages que brotam das camadas de tecido urbano que as recobrem. Acentua deste modo certo distanciamento deliberado do registro fotográfico documental ou "etnográfico" — ainda que dotado de grande plasticidade — caro a Okamoto em sua abordagem francamente pictórica de tais situações. Por outro lado, as imagens com elementos da natureza [água, pedra] re-introduzem um referencial fotográfico mais "puro" nesse conjunto, sugerindo que a pesquisa do artista, embora atualmente marcada pelo alargamento dos limites inter-linguagens em seu processo — o que é reiterado pela apresentação de seus cadernos de desenhos —, segue comprometida com uma tradição da qual não pretende, nem precisa, se afastar.

Guy Amado
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Luz Sobre Papel

As exposições Paisagens Desabitadas, de Fábio Okamoto, e Meio-Dia e Meia-Noite num Mundo Perfeito, de Biassino Gesualdi, que ocorrem simultaneamente na Galeria Virgílio, provocam uma reflexão sobre o lugar da fotografia na arte contemporânea.

Okamoto faz o que se pode chamar de “fotografia pictórica”, segundo uma formulação do crítico Alberto Tassinari. Trata-se de um trabalho em que são reconhecíveis certos aspectos da pintura moderna. Nas fotos de Biassino, a imensidão das metrópoles e paisagens aéreas compõem um grande elogio ao olhar. O espectador se põe no lugar do fotógrafo, refaz a viagem e compartilha do amor pela exterioridade que a fotografia parece sempre declarar.

De maneiras diversas, os dois artistas fazem da fotografia um meio propício para restituir à arte a experiência do mundo, sem vacilar na linha tênue que passa entre o hermetismo e o retrocesso.

Pode-se olhar para uma pintura e ver apenas como foi feita, sem pensar no que representa. Muitas pinturas são feitas exclusivamente para isso e nada representam. A fotografia por sua vez é sempre foto de alguma coisa, quaisquer que sejam os procedimentos de montagem e manipulação, assim como se diz que a consciência é necessariamente consciência de algo.

A fotografia comum mostra coisas. É documento, informação, lembrança. A fotografia de arte mostra coisas tais que o modo de aparecer delas é muito mais importante do que aquilo que são em si mesmas. Cada coisa fotografada é uma dobradura da luz captada pela câmera, um ser de refração, e a imagem fotográfica será sempre mais especial quanto mais tenso for o jogo entre as coisas que aparecem e a própria luz que, se vista diretamente, no contra-luz, ofusca tudo o mais.

Okamoto fotografa o ermo, o negativo da metrópole. A luz habita esses lugares durante a noite, quando não a encobre uma legião de passantes. Como na célebre gravura Melencolia I de Dürer (1471-1528), no escuro é que se pode ver o halo luminoso. Nessas fotos, a câmera escura é uma espécie de laboratório do temperamento melancólico, em que o estranho e inquietante é o espaço onde incide luz. Mas não se fotografa luz pura, assim como a consciência é impensável sem algo de que se tenha consciência. Não existe foto abstrata. A diferença entre fotografia e pintura reside na experiência do real de que a fotografia não se desvincula.

O olhar bifocal de Okamoto vibra com a alternância entre a visão pura e simples da realidade e o enquadramento fotográfico, que sublima a realidade no espaço pictórico do qual havia sido banida pela arte abstrata. Qualquer que seja a técnica, não se faz arte impunemente, há sempre uma experiência prévia em contraste com o que é novo.

Algumas fotos de Okamoto de fato se assemelham a pinturas abstratas. Mas se sabe que são coisas e que o atributo de abstração não se aplica no mundo em comum por onde perambulou o fotógrafo, mas se aplica no espaço criado pela obra. Este é o espaço da pintura, que recebe a imagem fotográfica sem perder autonomia, assim como, na história recente, passou a receber colagens de recortes e objetos. Em troca, a fotografia restitui ao espaço moderno uma experiência do real. A foto de Okamoto não seria tão boa se tivesse sido

A fotografia não é revolucionária apenas porque proporciona a reprodução ilimitada das imagens, mas também porque fez do mero olhar uma forma de arte.

José Bento Ferreira
Janeiro de 2007

Fernando Burjato - textos

Texto da exposição:

FERNANDO BURJATO

Uma pintura, antes de o que quer que seja, é uma janela. É um espaço que se abre, onde alguma coisa acontece, onde alguém fez alguma coisa acontecer. Por mais que o espaço da pintura tenha se modificado, sobretudo desde o final do século dezenove, um quadro nunca passou a ser totalmente uma coisa, um objeto. Uma gota de tinta num quadro não é o mesmo que uma gota de tinta em nosso sapato, por mais que elas se pareçam. Sejamos francos: se quiséssemos sair de casa para ver coisas, apenas, não iríamos para uma galeria ou um museu.

Pinturas, por mais que aparentem (e sejam) objetos, mesmo que não simulem uma abertura na parede e exponham sua fisicalidade, são projetos, modelos, abstrações e, em última instância, metáforas. Pinturas não são o mundo, mas sobre o mundo.

Uma pintura, no entanto, não é uma idéia, uma ilustração, ou ainda a formalização de uma idéia – como se forma e idéia fossem coisas totalmente distintas. Quem acredita na diferença entre alma e corpo, escreveu Oscar Wilde, não possui nem uma coisa nem outra.

Pinturas não nos dizem coisas. Não nos informam, não nos ditam o que fazer, não exibem conhecimento. Mas propõem modos de serem olhadas e modos de se olhar para o que quer que seja. Não melhores modos, mas mais modos, além daqueles que já tínhamos.

Pessoas que leram muitos romances, por exemplo, não têm mais informações que outras. Mas talvez pareçam ter vivido mais, ter experimentado mais. Ver pinturas quem sabe seja algo parecido. Acumulamos experiências, como se nos debruçássemos por uma grande variedade de janelas, abertas para diferentes lugares.

Admitimos que conhecemos uma cidade quando já fomos até ela. Quando nos perguntam se conhecemos Manaus ou Veneza, por exemplo, não respondemos que sim se apenas tivermos lido sobre algum desses lugares. Você acredita, então, que conhecerá melhor as pinturas expostas lendo este texto?

Se a pintura nos ensina a ver, não é por que ela é exemplar, mas por que ela é uma experiência. Não aprendemos com o certo, mas com o diverso.

Fernando Burjato
2009
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Fernando Burjato

Fernando Burjato é artista, com uma intensa produção literária. Fernando Burjato é escritor, com uma intensa prática artística. Ainda que vaga, essa definição talvez introduza com propriedade o processo criativo de Fernando. Tal dado faz-se realmente necessário, na medida em que se constata que ambas as atividades são de certa forma indissociáveis em suas frentes de trabalho. Este caráter intercambiável entre as duas linguagens pode ser aferido após alguma familiaridade com sua obra; é denunciado, por exemplo, pela recorrente incidência da palavra em sua produção artística pregressa - que surge ora como elemento compositivo, ora como elemento residual ou ainda como artifício de 'bloqueio' a 'interpretações esteticistas' -, e na estrutura modular, esquemática e aberta de seus contos, que dialoga com sua pesquisa artística.

Essa tônica se mantém em sua incursão pictórica - recente, aliás. As obras aqui apresentadas, é preciso dizer, são antes de tudo a materialização de uma investigação - algo obsessiva - que se confunde com a própria existência de Burjato, delineando sua poética: um desejo de registrar as pequenas idiossincrasias da vida cotidiana, em que tudo seria passível de ser interpretado, classificado ou ordenado segundo um padrão altamente subjetivo de sistematização. Um certo exercício de fetichismo, certamente, e que em graus diversos dormita na maioria de nós.

Na pintura modular aqui apresentada, repleta de jogos e variações cromáticos - antes não-figurativa que abstrata, classificação evitada pelo artista -, este processo se consolida como a cristalização de seu interesse pelas propriedades compositivas da cor, que começa a pesquisar, inicialmente, em pequenos trabalhos com bastões de massa de modelar. Passa em seguida para o pastel e guache - operando sempre sobre papel, por temor de investir esta fatura de uma 'aura' indesejada - e finalmente para o óleo, onde a escala é ampliada, fase (atual) da qual alguns resultados estão aqui presentes.
Esta produção reflete e resume, em sua fatura e apresentação, o descompromisso de Burjato com quaisquer intenções esteticistas: sua obra não aspira a nada além de sua existência autônoma pura e simples, resultado que é de um processo em que a clareza da dimensão processual emerge antes mesmo do próprio pensamento.

Guy Amado
Na ocasião da mostra individual no Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo

Fernando Vilela - Facebook

Texto da exposição:

Fernando Vilela

O livro do tempo

De saída a exposição de Fernando Vilela contradiz um chavão da gravura, o da reprodutibilidade. Seus enormes livros (200 x 200 cm) são peças únicas. Os volumes realizados em chapas de PVC expandido, foram impressos a partir de apenas três matrizes. Elas funcionam como módulos e vão se combinando e recombinando de maneira lúdica e sem obedecer a qualquer geometria. O raciocínio modular proporciona uma diversidade enorme de configurações. A composição gráfica se estrutura por forças que variam de sentido e intensidade, sempre girando em todas as direções.
Se as imagens podem ser comparadas com a de um relógio, como se as tiras fossem ponteiros sobrepostos, o trabalho contraria completamente toda a regularidade e a repetição que o relógio implica. Ao folhearmos o livro temos uma experiência temporal bastante singular. É como se esquecêssemos o mundo exterior e mergulhássemos no trabalho. Seu tempo é não contínuo, nem homogêneo ou retilíneo e sim um tempo que dispensa a ordem cronológica. A primazia é dada ao aspecto gráfico, e não a uma suposta continuidade do movimento do tempo ou de uma narrativa qualquer. Mesmo porque há uma série de sobreposições que, mais do que espaciais, revelam simultaneidades de tempos. Estas são ainda mais evidentes ao contemplarmos os três livros abertos, que compõe um todo em que ordem e caos não podem ser compreendidos como opostos, mas como complementares, uma vez que estão integrados, assim como os vazios em relação às áreas impressas.
A escala dos livros é compatível com a de uma porta. Virar uma página é também entrar num outro espaço. A relação corriqueira com o livro, entretanto, é literalmente invertida, ele não está em nossas mãos, somos nós que estamos dentro dele, sugados em seu interior.
Mesmo que os livros obedeçam a um planejamento rigoroso, durante a realização do trabalho o artista incorporou alguns acasos. Isso também se deve a questões técnicas, como o ressecamento da tinta sobre a tela da serigrafia. Em geral, a irregularidade das manchas sobre a chapa foi mantida. Ainda mais por serem impressões artesanais e de grandes proporções como essas (que contou com uma equipe de seis pessoas), jamais seria possível cercar plenamente o imprevisível. Essa consciência dá mais vitalidade ao trabalho e evita que ele seja compreendido como se estivesse fora do próprio tempo de sua realização. Afinal, não se trata de um projeto que objetiva ser realizado sem surpresas e com exatidão, ao contrário, o imprevisto é parte constituinte do processo tanto quanto do fluxo temporal.
As chapas oscilam entre as mais silenciosas, com poucas áreas preenchidas, e as mais barulhentas, com várias sobreposições e excessos. Elas têm uma aparência ambígua: a impressão da imagem é feita em serigrafia, mas os veios da madeira – já que as telas foram realizadas a partir de xilogravuras – são tão visíveis quanto as ocasionais imperfeições. Há um aspecto precário no resultado final, como se fossem lambe-lambes, mas alguns brilhos logo desmentem essa sensação. O industrial e o artesanal se misturam, e a facilidade que a serigrafia denotaria é contrariada pelo processo trabalhoso que o tamanho exige.
Realizados no ateliê do artista na Barra Funda, em São Paulo, que fica diretamente voltado para a rua, os trabalhos se misturaram com o ritmo da cidade. Durante a impressão, as telas eram limpas na calçada, enquanto as provas secavam sobre os suportes para lixo e acabavam se mesclando com a sujeira urbana. Esse embaralhamento da imagem com seu entorno também ocorre, de outro modo, nas gravuras em acrílico transparentes inclinadas em relação à parede. As imagens impressas, graças à iluminação, se projetam e se sobrepõem sobre outras a sua frente ou ao lado. Enquanto nos livros a sobreposição se faz num plano, aqui elas se expandem e ocupam o espaço tridimensional.
Independentemente do aspecto simbólico do livro, que se mistura com a história da humanidade e acompanha o homem ao longo dos tempos, o trabalho de Fernando Vilela estabelece certas relações complexas com o sujeito, com o espaço ao seu entorno e com a cidade que vão além da contemplação e do mero reflexo. Nós nos envolvemos em seu trabalho a ponto de entrarmos no tempo dele, que é o mesmo que o nosso, mas que também parece nos conter e superar.

Cauê Alves
2007
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Deslocamentos

O artista plástico, ilustrador e escritor Fernando Vilela traz para a Galeria Virgilio, na exposição Deslocamentos, um desdobramento das pesquisas que realizou e culminaram na publicação do livro de sua autoria Lampião & Lancelote, o qual recebeu três prêmios Jabuti de melhor livro infantil (a obra escrita e ilustrada por ele foi publicada em 2006 pela editora CosacNaify).
Ilustrador consagrado, com prêmios recebidos no Brasil e no exterior, Vilela é reconhecido também por seu trabalho como artista plástico, destacando-se suas instalações e xilogravuras. O artista tem uma forte preocupação com o espaço arquitetônico à sua volta que se manifesta na criação de objetos, como os blocos de massa negra com fendas iluminadas, que produziu para exposição na Virgilio em 2005, ou nas gravuras que aplicou diretamente sobre as paredes da galeria em exposição conjunta realizada em 2002 com Rafael Campos.
Nesta exposição, Vilela volta a dialogar com o espaço ao criar 3 livros em grandes dimensões (mais de 2 metros de altura), cujas páginas são suas próprias gravuras também em grandes dimensões. Os módulos gráficos criados, impressos e sobrepostos sobre placas de PVC expandido e acrílico criam situações de deslocamentos no espaço expositivo. Seu ciclo criativo gera uma seqüência ininterrupta de trabalho onde a arte inspira a obra literária que, por sua vez, transforma-se em fato gerador de uma nova obra de arte.
“Meu trabalho apresenta o desdobramento da xilogravura em suportes não tradicionais”, afirma Vilela. “Mostro a gravura como intervenção gráfica em espaços de arquitetura.” Na mostra, o artista expõe 7 obras com xilogravuras em vários suportes, incluindo transposição para serigrafias combinadas e sobrepostas e 20 pequenos múltiplos.

Cauê Alves

Mônica Rubinho - texto

Texto da exposição:

Mônica Rubinho

Confidências visuais

Mônica Rubinho é tão atenta ao mínimo índice de potência poética que consegue descobrir ninhos de passarinhos em caminhadas pelas ruas de São Paulo. Ou achar galhos secos de configuração especial que, raspados e lixados com paciência de marceneira de signos visuais, transforma em expansão tridimensional de seus desenhos.

Nesse vocabulário de sutilezas, os detalhes são a parte que convoca a lembrança do todo. Algo assim como aquela pérola, índice de memória indelével, colhida por colherinha de prata, outro repositório de tempo. Ou o registro fantasmático da sombra de árvore frondosa.

Tudo nos propõe um olhar muito próximo, na distância íntima das confidências ou invocações do já vivido. Há poucos trabalhos em formatos maiores. Mesmo neles, não se altera a dicção camerística: precisam ser olhados de perto, para que a sinuosa trama de desenhos e bordados seja quase escutada em sua textura. Para observar-se que o suporte é elemento constitutivo indissociável do discurso artístico.

Mônica traz nesta exposição desdobramentos de um repertório denso, desenvolvido ao longo de uma sólida trajetória de quase duas décadas em que vem resignificando coisas do cotidiano e transformando-as em objetos-poema ou instalações-poema. Desta vez, ela trata daquelas coisas que assomam à água escura do esquecimento e fazem doer o nervo exposto das horas póstumas.

O processo criativo da artista, agora, incorpora ainda mais procedimentos da gravura. Além das texturas e velaturas obtidas com vidros jateados, Mônica passou a explorar acúmulos de imagens carimbadas. Carimbos que, em áreas mais densas de tinta, têm a aparência veludosa da técnica da maneira-negra da gravura em metal.

A série atual de trabalhos extrai beleza da inexorável percepção da ausência irradiada desde o “lugar do quase hoje”. Ou seja, um lugar fora do tempo e das contingências terrenas. Algo imaterial, em eterna suspensão, que podemos evocar mas não mais habitar ou conviver. São tecidos imanentes da ausência, feito lenços ou sudários.

Angélica de Moraes

Osmar Pinheiro - textos

Texto da exposição:

Osmar Pinheiro - pinturas 2005
Teoremas e fabulações do espaço pictórico.

“Visto que não há nada como correção e verdade absolutas, nós sempre buscamos o artifício/artificial, que conduz à verdade humana” Gerhardt Richter
(“Notes, 1962”. Daily Practice:15)

Detour. Nessa série de pinturas produzidas entre 2004 e 2005, há um significativo deslocamento de ênfase para uma certa narratividade ou fabulação do espaço pictórico que passa a incorporar fragmentos imagéticos e recortes fotográficos, em que o caráter factício e artificial de imagens arbitrariamente encontradas, ou mesmo compostas, define sua estratégia. Não é tanto invocação da memória impressa, registro documental ou sua carga nostálgica, mas antes a consciência mesma dessas imagens como perda, como um apagamento do real - imagens etéreas que subsistem como vestígio, rastro de uma presença.
Tisseron (1) considera que “Toda a fotografia se apresenta como instantaneidade numa dinâmica artificialmente interrompida, à qual o espectador é chamado a intervir restituindo seu passado e seu futuro. É esta a característica que confere à imagem um estatuto específico de memória”. Em outra passagem em que fala do luto e da negação implícitos na imagem fotográfica, insiste, “A fotografia não é mais escolhida como uma representação do desaparecido, mas sim como uma substituição à sua ausência. Ela transforma-se numa verdadeira relíquia”. Esse recorte, ou uso peculiar que o artista faz de uma iconografia fotográfica como um dado, imagens readymade, que então vertidas e incorporadas na superfície pictórica transferem-lhe toda a sua carga de sentido, define esse desvio. Pois se a reflexividade da pintura, faz do próprio medium seu contéudo/objeto, a positividade do suporte, do plano, do pigmento, e do gesto nem por isso anula conotações e configurações que carregam de outros códigos e das media circunvizinhas, que aqui transpostos se sobrepõem e interagem numa operação recíproca. O plano absorve, por similaridade, tudo que gravita em sua órbita, como uma transubstanciação no corpo da pintura.

Métrica e Fabulações. Mas é sobretudo a oscilação que esta pintura problematiza, o arco que se estende da apresentação à representação, da planaridade à figura, tensão crítica entre a materialidade do suporte, do quadro como fragmento do espaço infinito, e a ambigüidade do jogo de imagens que acessa a ilusão, extravasando a forma. Isso se acentua no contraponto daquele outro conjunto de pinturas anterior (2003) em que as superfícies metodicamente geradas a partir da justaposição de faixas/listras metalizadas, calculadamente se sobrepõem, mas incidentalmente desbordam e rasuram-se insinuando nesse pequeno des-arranjo novas configurações. Aí uma aparente afinidade construtiva com a arte Op ou Minimal, é cautelosamente subvertida por um expressionismo residual na variação da luminosidade do cinza metálico, desde o branco até ao negro, projetando-se na pele espessa e tátil da encáustica.

Grade/Grid e paisagens. Já nessas últimas pinturas um romantiscismo destilado (Expressionismo analítico) anima esse arranjo instável de planos e imagens em suspensão (Aufhebung). Por vezes o aspecto de reboco exposto, seções de paredes, detalhes de construções, recortes arquitetônicos, fragmentos modulados que se fundem a paisagens incógnitas. É eloqüente o modo como o artista declara nessas telas a materialidade do plano, na diversidade de suas texturas foscas ou translúcidas, na fluidez e densidade do pigmento fundido à cera. A encáustica cria envólucros, películas que reduplicam a superfície e matizam a luminosidade. Acentua o contorno do suporte, enquadra uma superfície/volume. Mas em meio a essa profusão de gestos pictóricos, mais próximos do tátil que da ilusão ótica, a grade/grid (2) subjaz como dispositivo organizador da superfície, mais ou menos regular, declinada em faixas, planos e recortes justapostos. Os cinzas-mate e o efeito de veladuras opalescentes, reforçam uma materialidade áspera apenas tensionada por notas cromáticas. Incidentalmente, contrastam com o contorno de imagens, estas mais vultos que figuras.
Esse duplo aspecto ou ambivalência da pintura apenas desdobra suas próprias contradições. Aqui o mesmo plano, a mesma grade/grid que declarando a autonomia da pintura configura a ordem espaço-temporal, que anunciava “uma vontade de silêncio por parte da arte moderna, sua hostilidade à literatura, à narrativa, ao discurso”, visto que a planaridade eliminava as dimensões do real na extensão de uma superfície única, por outro lado, em permanente oscilação, incorpora conteúdos simbólicos, e assim alusão, ilusão, e ficção aderem às superfícies.
A percepção que nos serve de guia não nos dá verdades como a geometria, mas presenças, que enfeixam uma multiplicidade de aspectos, texturas cambiantes. A diversidade de sentidos das relações de espaço e tempo na arte, leva Krauss a concluir que “embora a grade certamente não seja uma história, pois ela é uma estrutura, ainda é uma que permite à contradição existente entre os valores da ciência [materialismo] e aqueles do espiritualismo manter-se na consciência do modernismo, ou antes sua inconsciência, como algo reprimido” (3). Nesse trabalho de Osmar são as histórias, o portfólio da memória, pulsões e emoções arquivadas que se infiltram, um excesso de sentido que permanece incontido, invocando imagens.

Bricolagem. Essa modulação de superfícies, em justaposição de recortes, sobreposição e deslizamento de camadas, é ao mesmo tempo afirmada e suspensa, deixando entrever imagens que se condensam – fragmentos irreconhecíveis, quase tromp l’oeil. Trazida para o primeiro plano, a superfície estética é concreta, bricolagem de elementos arquiteturais, o plano é tangível, tátil, a obra é primeiro percebida como pura pintura. No entanto, num lapso do olhar a ilusão se infiltra e contamina a forma modelando signos: dessa oscilação que sua pintura se nutre. Sem nunca se resolver numa unidade, nem estrutural nem decorativa, subsiste como agregado, como um todo dissonante. O modo de composição reedita o enquadramento/corte fotográfico, segmenta o espaço contínuo, real numa espécie de retícula, partes de objetos, recortes de paisagens, cenário esquadrinhado. Mimetiza o olhar urbano, fragmentário, cenas em trânsito, fotogramas de um filme.

Contaminação e dissonâncias. A contaminação das diversas media, pela sobreposição de códigos e transposições de sistemas de significações, interlocução reiterada das práticas contemporâneas, parece irrevogável. É nessa espécie de fricção das diversas medias, que a pintura, lado a lado com performances, vídeos, fotografias, earthworks, obras conceituais, etc., produzem o novo cenário em que as relações são antes de comunidade recíproca que de subordinação ou exclusão. Contemporâneo, não mais sujeito às injunções do formalismo abstrato ou matérico, o artista reconhece um “imenso menu” de escolhas artísticas a seu dispor, sabendo transpor sintaxes de um medium a outro. Intelectualmente inquieto, interpela a contemporaneidade, literalmente “tomado” pelas questões críticas e pulsionais que esse cenário desencadeia. Passa pela obra de Sigmar Polke, sua influência Pop na variedade de técnicas e apropriações (não posso deixar de lembrar o quadro “Die Ruine”1994), e Gerhardt Richter pela deliberada e irônica manipulação de estilos e suas fotografias pintadas (readymade fotográficos), suas paisagens românticas diáfanas e suas extravagâncias pictóricas (raspagens e empastos) nas suas pinturas abstratas.

Imagens readymade. Como sugere Arthur Danto, talvez a atitude mais característica da arte contemporânea, pós histórica, em boa parte produto do experimentalismo prodigioso das décadas de sessenta e setenta, e do avant-garde de séc. XX, parece ser a apropriação de imagens - imagens readymade, cuja identidade e significado estabelecidos, uma vez deslocados e impregnados de conotações, são transfigurados numa nova identidade.
Com efeito, a radicalização do conceito de readymade sob condições históricas diversas, se dá como negação dialética da formulação original, atualizando essa estratégia em modos singulares como em Emma e outras fotografias pintadas de Gerhardt Richter, em que empenha-se em reafirmar a atualidade do readymade através do medium da pintura. Buchloh supõe assim que o conceito do readymade, a iconografia da fotografia, e a prática da pintura formam os três constituintes básicos da pintura de Richter - com suas conexões dialeticamente contraditórias (portanto reconciliáveis) e sua unidade geral. Mas além dessas contextualizações históricas é antes um fato curioso que nos dá a pista para a leitura desse novo trabalho de Osmar. Duchamp em 1917, depara-se com um pequeno anúncio numa placa esmaltada da marca de tinta Sapolin, que ele repintou, alterou a legenda e inseriu comentários sarcásticos transformando-o no readymade “Apolinère Esmaltado”. Inadvertidamente, ouço o artista comentar - “meu pequeno Apolinère” referindo-se a uma de suas últimas telas com impressões fotográficas. Confirma-se minha suspeita de uma estratégia readymade, em que as fotografias entram como um dado, um núcleo compositivo/matriz formal que se funde e desdobra no plano transmutando-se em pintura.

Virginia Aita

1 Tisseron, Serge. Le Mystére de la Chambre Claire. Paris: Belle Lettre, 1996.
2 Krauss, R. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. P. 9-20.
3 Cf. Buchloh, Benjamin. Neo-Avantgarde and Culture Industry. Cambridge: MIT Press, 2000. p.13.
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OSMAR PINHEIRO responde a Guy Amado

GA: Um ponto que me parece interessante pra "entrar" nesses teus trabalhos recentes é uma certa dificuldade em abordá-los como pertencentes ao domínio da figuração ou da abstração em termos absolutos, parecendo os mesmos mais inclinados a habitar uma espécie de "limbo" ou universo intermediário. Assim, gostaria que você discerrasse um pouco sobre essa característica meio ambivalente de sua fatura atual, esta incorporação da imagem à pintura e sua relação com um esquema compositivo em que se sobressai uma forte orientação construtiva [ainda que esta não me pareça pautada por qualquer "racionalismo" mais ortodoxo], mediada ainda pela presença de um elemento gráfico que evoca uma linha de procedimentos próximo ao registro pop.
Outro aspecto que chama a atenção nessa tua produção recente é a emergência da imagem em suas composições - aplicada diretamente sobre a tela ou não - e não raro trabalhada num registro "velado", que me parece se articular menos a um discurso da representação que ao de uma instância evocativa, da ordem de um residual. Como você vê a introdução desta imagem em sua pintura e em que medida ela se articula com as questões que lhe são caras na fatura pictórica - no momento e de um modo mais geral? E ainda, pensando em termos um tanto rebaixados, em que medida ou grau "hierárquico" ela [imagem] vem à tona nestes trabalhos?

OP: Nunca incorporei a idéia de uma pintura “pura”, se pensada do ponto de vista adotado por Clement Greenberg, como uma questão que encontrasse eco em minha demanda interna, o que me libera de algumas questões acadêmicas da modernidade. Me interesso por certo campo de investigação sobre o sentido do ato de pintar, como questão subjetiva e ao mesmo tempo, como lugar histórico determinado. Desse modo, não estabeleço hierarquias que apontem para um “progresso” da arte e separem Matisse de Duchamp ou Rothko de Andy Warhol; existe, é claro, uma diversidade temporal do olhar, e na outra margem, opostos absolutos, campos distintos e exclusivos.
Não creio, por outro lado, que a subjetividade seja o deus do materialismo, mas ao mesmo tempo recuso estratégias publicitárias de inserção no sistema de arte como subproduto cínico da pop art.
Há aqui uma chave dialética sobre a qual tenho buscado construir um recorte. Tenho usado imagens da Belém dos anos do boom do ciclo da borracha [talvez fornecer um parâmetro temporal aproximado] como leit motiv, referente do desejo, para testar um jogo de relações onde seja possível reconfigurar a memória afetiva no horizonte material de uma temporalidade sem passado. Uso também imagens dos ambientes com os quais convivo no cotidiano. Busco “desencarnar” essas imagens, em seu limite de representação. Daí o uso deliberado da grade construtiva como andaime de um lugar provisório e indeterminado, mas principalmente como índice de um ordenamento de natureza mais analítica. Creio afinal que se trata de um ready-made comentado a partir da tradição da pintura.

GA: A questão da imagem se afiguraria então como imbuída de um dado em alguma medida afetivo, mas articulando sobretudo um tensionamento entre a noção de residual – em seu caráter evocativo - e uma instância de ordem representacional? Já sob o ponto de vista formal essa mesma imagem parece aflorar como um elemento compositivo...

OP: Penso que o dado afetivo está certamente filtrado no jogo de mediações, que partem do que me leva num dado momento a escolher esta imagem e não outra. Entretanto algumas imagens fortemente mobilizadoras em termos afetivos simplesmente não servem, é melhor tê-las no porta-retrato. (risos)
Há uma especificidade de linguagem que é própria do meio técnico da fotografia. Trato de arrancar da imagem fotográfica o que há de pictórico e me socorro da tradição da pintura. Daí a percepção que você teve acertadamente da questão compositiva.
Sobre a tensão a que você se refere, entre resíduo e representação, trata-se de uma operação de deslocamento do esquema representacional, de uma certa subtração dos elementos que determinam a percepção da imagem como tal. Você pode observar que muitos dos planos de cor carregam um “rumor” que vem da imagem, uma espécie de subtração completada. Lembro das caixas de Tony Smith e desse algo que não é dado a ver, que repousa num vazio interno e no entanto latente.

GA: Percebo como dado recorrente no que pude conhecer de sua trajetória um forte grau de compromisso não somente para com a fatura mas com a tradição pictórica, posição que você mesmo já enunciou nos termos de "uma prática mediada por um questionamento sobre a natureza mesma do processo e ainda assim permanecendo no que é próprio da pintura". Trata-se de uma linguagem que se afirma calçada na experiência do olhar; e sua produção dos últimos anos me parece especialmente envolta por esta premissa, como se um aspecto subjacente mesmo à obra. Em que medida você vê seu trabalho como potencializando esta experiência perceptiva, no sentido de propiciar mecanismos que aproximem o olhar de sua, digamos, essência?

OP: Não creio na evolução da arte como evolução de meios técnicos. De resto não creio na noção de evolução em arte. Como disse anteriormente, estou interessado em atribuir sentido à minha prática como pintor, e isso impõe um aprofundamento da experiência perceptiva, no sentido de propiciar mecanismos que afastem o olhar de meu, digamos, desencanto.

São Paulo, Outubro 2005
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Texto que escrevi acerca do trabalho

Voltando ao ponto da "germanidade" de minha obra, é curioso que tenha sido um dado de incorporação anterior a minha percepção desse traço no trabalho.
Prefiro no entanto pensar em algo que tem a ver com a tradição propriamente da pintura e sobre um recorte mais ou menos arbitrário de escolhas pessoais.
Havia desde o começo uma reação ao tipo de racionalismo que definia a vertente construtiva da arte e seus desdobramentos, em nome de um olhar vagamente anarquista e um tanto ingênuo que pode de todo modo ser traduzido como romântico.
A ideia da obra como revelação de algo da ordem do enigma e do intraduzível apontava então para uma dimensão pulsional que se propunha como aventura do espírito em busca de uma verdade essencial. Esse era o horizonte de uma prática cuja realização no entanto incorporava confusamente elementos formais da pop arte e reintroduzia uma agenda naturalista e pré moderna.
As referências mais próximas na arte brasileira estavam em Goeldi e de certo modo em Ismael Nery. O contato com a obra de Iberê Camargo se deu mais adiante.
Em ambos os casos a modernidade se configurava pelo viés expressionista cuja inserção no contexto de então era no mínimo problemática se considerada do ponto de vista do pensamento construtivo dominante no Brasil.
A localização de meu trabalho, ao menos para mim mesmo, no conjunto da produção de arte no Brasil, acompanha a retomada da pintura nos anos 80 num lance de Mercado cujo pano de fundo era algo a que se deu o nome genérico de neo-expressionismo.
A obra de Anselm Kiefer, comentário trágico do absoluto me impressionou num primeiro momento pela potência metafórica de uma figuração que confrontava a tradição e apontava para uma possível continuidade das grandes narrativas. O tempo se encarregou de mostrar muito rapidamente que a era dos dinossauros estava definitivamente encerrada.
As obras posteriores de Kiefer apenas confirmam os limites de tal empreendimento.
Gerard Richter e Sigmar Polke, cada um a seu modo tinham entendido a melhor lição da Pop Art: não há nada a ser seguido, o imaginário está liberado da obrigação histórica de reproduzir uma ordem.
Os 80 foram um período de aprendizado, estava decidido a permanecer na pintura e aprofundar minha relação com o meio. Busquei limpar o trabalho de quaisquer referências metafísicas.
Queria chegar em algo exclusivamente pictórico e permitir que os resíduos dessa fisicalidade de elementos aflorassem como um lapso consentido ou um ato falho.
Cor, pigmento, estruturas, recortes, e ainda um purismo resistente indisfarçavelmente moderno de uma cartilha cezanniana. Busquei então expandir o conceito do pictórico em direção a uma certa noção de empilhamento e constelação. Algo que de todo modo já estava presente na colagem cubista da Picasso e consolidado nas pinturas de Rauchenberg. Expus em Berlim em 89 um conjunto que traduz bem esse momento.
Em 1990 visitei pela primeira vez no castelo de Charlottenburg as obras de Caspar David Friedrich e senti nesse pintor do sublime uma artificialidade quase pop , que primeiro me incomodou muito. Havia ali em principio a pintura de estudio de um sujeito quase monástico que tratava da solidão e da perda humana de uma perspectiva fatalista e que não obstante colocava em cheque os próprios meios da pintura como que impondo ao ato de pintar uma regra não enunciável. Se numa paisagem de Friedrich ainda existe um céu azul é porque resiste em ser destruido por uma vontade absoluta de verdade. Custei a elaborar internamente o quanto essa pintura emulava questões que levaram Richter a considera-la contemporânea.
Devo a essa experiência meu retôrno a figuração, embora nunca tenha sido propriamente abstrato no sentido em que Kandinsky o era. A ideia de submeter a pintura a um olhar analítico nos proprios termos da tradição da pintura, ou seja uma regra pessoal de observação que produzisse uma prática mediada pela pergunta sobre a natureza mesma do processo e ainda assim permanecer no que é próprio da pintura enquanto superfície plana em que contassem na mesma medida e por equivalência, os termos de Giotto e os de uma certa fenômenologia. Decidi paradoxalmente rever minha relação com a racionalidade construtiva, essa flor da utopia socialista. O contato com o neo-concreto na obra de Helio Oiticica e Ligia Clark abriu caminho para a percepção de uma funcionalidade pulsional, um campo de experimentação vital e uma radicalidade que estavam de todo modo ausentes da métrica concreta dos anos 50.
Não havia alí a negação de uma remota metafísica em favor de uma metaciencia, mas sua invalidação objetiva por demonstração em nome de um projeto libertário da subjetividade. Havia sobretudo paixão. Depois disso, percebi claramente o quanto de maniqueísmo havia em minha relação com o construtivo. De todo modo a pintura não cabia no sistema de Duchamp e menos ainda no de Hélio . Ao menos não como superfície estática. Jamais cogitei de suprimir o simbólico.
Hoje me sinto mais próximo de Sean Scully e de uma ideia de pintura que considera a fé e o esforço individual humano. Espiritualidade não é problema teológico.

Espero que este conjunto de fragmentos da memória ajude um pouco.
um grande abraço

Osmar Pinheiro

Paulo Jares - textos

Texto da exposição:

Paulo Jares

Impressões sobre a série Luz – Bate-papo entre Paulo Jares e Guy Amado

AGUY AMADO: Paulo, queria que você me falasse mais sobre o que me parece ser uma guinada ou reorientação no teu trabalho no que se refere ao abandono de certo esquema compositivo que privilegiava um olhar “pictórico” sobre as cenas ou situações por ti captadas. Digo isso em relação ao pouco de tua produção que conheci até cerca de 2005-2006, o que eu chamaria de registro de situações estéticas e onde sentia um dado formal mais marcado, tanto pelo enquadramento-composição como por uma forte presença da cor como protagonista. E que na tua produção de agora me parece mais distante. Você poderia falar um pouco sobre isso, e avançar mais sobre essas séries recentes, como a que apresenta agora na Virgilio?

PAULO JARES: caro Guy, conforme o observador do trabalho não existirá uma leitura da questão formal, podendo ser vista dentro de uma tradição construtiva - seriam as fotografias feitas a partir de uma composição - recortes da realidade como objeto do trabalho em si. As fotos com oposições cromáticas e tendo o plano se impondo remetem à pintura, num jogo desse espaço pictórico. O meu trabalho vem de uma procura pelo que me surpreende, as fotografias são feitas durante meu caminho nas cidades, onde aparece essa visualidade que você indicou nos trabalhos anteriores. Mas eu venho atuando desde o ano 2000 focado numa relação entre o urbano e a natureza, trabalhando os espaços de acordo com a idéia de encontrar o que será fotografado. Então, quando eu fotografo por exemplo uma caixa de isopor com fita azul e depois encontro outra caixa de isopor também colorida eu faço o recorte, e a partir daí essas duas imagens já dizem o que eu procurava, não repito mais, senão acabo criando uma fórmula, e isso não me interessa.

GA: A propósito disso, você mencionou um interesse por certa ideia de "abstração" em sua produção mais recente. Procede? Se sim, a serviço de que estaria esta pulsão? Me parecem cenas noturnas e chuvosas, essa série...e a luz parece ganhar outro peso nessas imagens, repotencializando ou transmutando o que creio ser um momento urbano nessa espécie de "constelações"...

PJ: Sobre essa "guinada" que você fala, parece um abandono das diretrizes, não é não. As fotografias da série EPICENTRO, expostas na V Bienal do Mercosul, foram realizadas de uma forma já abstrata, e partindo da coisa real que recortei no instante de fotografar. Elas não tem índice; essa questão de saber o que foi fotografado é muito comum, quase todos querem ver o que já não é possível.
Então voltando, as fotografias se fazem a partir do que vejo, e elas se transformam no instante em que fotografo. Quando dirijo o meu olhar para uma árvore com os galhos secos no Hyde Park e fotografo em PB, uma imagem toda preta-branco onde os galhos se misturam, obtenho uma foto abstrata, que chamo Natureza Pollock. Esses são exemplos de uma opção pela criação de imagens abstratas.
As fotografias da série Luz foram feitas a partir da janela da minha casa, numa noite chuvosa onde o asfalto estava sendo molhado pelas gotas de água que não paravam. O espaço refletia uma luz intensa que vinha do poste de iluminação que foi onde direcionei o meu olhar. Já sabia que as fotos seriam uma transformação por conta de todo o movimento de água e luz no asfalto. A cor é uma questão nessas fotografias, ela aparece como formadora do espaço. A natureza da chuva, um elemento vital em potencial, remete a minha memória afetiva de Belém, cidade onde nasci: lá nós marcamos o tempo pela chuva. Então essa pulsão reflete uma relação vivida. As constelações são formações de um "cosmo". Essas séries que venho fazendo recentemente equivalem a anotações, são feitas sempre num espaço não definido a priori.

GA: Com relação a esse interesse em direção à abstração, que de fato é algo um tanto usual na trajetória de diversos fotógrafos, queria saber mais sobre o que você assinala como “ausência do índice”. Isso é um dado que te é caro nesse movimento? A perda, ou talvez o amortecimento do referencial figurativo – porque nem sempre ele está "ausente" de fato...pode estar só deslocado, não? – é algo deliberado e calculado, ou obedece a uma pulsão mais intuitiva? Porque pelo que falas dessa questão na série Luz, pode vir junto um dado afetivo ou a serviço de certo lirismo, por exemplo.

PJ: Nas minhas fotografias procuro não usar o índice, busco construir novos espaços, fragmentos da realidade, como você frisou: "ele nem sempre está ausente de fato... pode estar deslocado"; então, esses recortes podem colocar de lado o que não está ausente e redimensionar a escala por meio do meu enfoque, gerando uma coisa nova. O índice não é problema, ele é vital para a desconstrução que propicia um olhar novo.

GA: Você fala da cor como conformadora ali. Entendo, mas...tem de fato tanta cor? Porque me pareceu predominar sobretudo luz e sombra, um jogo de contraste e refração que gera essa situação ótica de escala incerta, que é interessante. Pode ser uma constelação inteira, ou um mero fragmento de urbanidade devidamente decomposto.

PJ: As fotografias da série Luz tem uma cor predominante, ela vem da própria luminosidade refletida, um tom meio terra, meio dourado e estourado. O jogo de contraste e refração que você observou tem sentido, é nessa escala que surgem essas constelações; e o fragmento da urbanidade está presente, mas não como era na realidade. A luz se insere em toda fotografia, ela marca uma expressão que é sim calculada, e quando fotografei já sabia que o movimento de cor seria dado pela luz através da água no asfalto. Sempre houve um jogo pictórico nas minhas fotos, cor e forma bem definidos; agora, nessa série, ocorre que a cor aparece de outra forma em outro contexto, pois ela é luz. Essa cor não deixa de tratar da discussão pictórica - ela avança, pois há um brilho que transcende a questão puramente cromática ou não.

GA: Quanto à presença da natureza em tuas fotos, ela te interessa mais num registro de contraponto ao elemento urbano? Ainda não tinha percebido que essa relação tivesse um peso tão grande em tuas coisas. Essa série Luz parece exemplificar bem isso, mas incorporando também uma sugestão ou aura de “espiritualidade”... Tem algo assim em jogo aí?

PJ: A natureza entra no meu trabalho a partir de uma potência que é consolidada através de elementos como pedras, árvores, folhas, rastro de cores; é a vitalidade de sua força autônoma que tento captar, abstraindo a realidade natural. O espaço que mostro nessas fotos tem uma relação com uma certa espiritualidade, uma cosmogonia onde luz e sombra jogam a partir da imagem. A relação afetiva desse trabalho tem muito a ver com minha cidade natal, Belém. Desde criança gostava muito do banho de chuva, do cheiro da umidade, das árvores - e foi no Rio de Janeiro que captei essas imagens, através da minha janela.

GA: Pensando melhor, o que referi como dado “espiritual” nessas fotos estaria mais para uma possível leitura de um dado de transcendência, por assim dizer: essa conjunção do que é ainda reconhecível na situação, de resto banal [chuva na cidade à noite], e do que é transmutado - pela ação da luz e da natureza - em uma nova experiência perceptiva, pelo modo com você capta essa ação e a repotencializa como situação estética. Surgem então essas cartografias incertas de brilho e sombras, ou constelações em cobre, onde o asfalto vira cosmo...

PJ: Essas fotografias tratam mesmo de um espaço que é criado a partir de uma transmutação do que é visto; e essa ideia de espiritualidade-transcendência é parte do que emerge a partir dessa relação da própria natureza/água mais a luz, desenhando essas constelações em cobre. Existe uma potência que deriva de um "pathos" próprio do trabalho - luz e sombra emergem e fundam uma cosmogonia.

GA: Pra encerrar, um dado nessa série que me chamou a atenção em relação ao que eu conhecia de tua produção anterior é o registro de captação da imagem [ou o olhar] se dando aparentemente num grau mais despojado, ou liberto de um raciocínio compositivo mais elaborado ou atrelado a um vocabulário pictórico, como já comentamos. Você concorda?

PJ: O trabalho tem agora um compromisso com uma visualidade estética a partir da criação de espaços novos sem uma rigidez de vocabulário; é claro que não deixo a questão pictórica de lado, ela está presente mesmo nas séries mais despojadas, que partem dessa relação natureza-em-potencial e fragmentos de urbanidade. São recortes da própria vida criada pelo homem. Posso muito bem, em outra hora, voltar à composição, às cores, às oposições cromáticas. Eu determino e direciono meu olhar a partir de onde houver algo que me surpreenda. Enfim, posso me dar plena liberdade para fotografar, o visor da minha câmera é um retângulo vazio que pode ser preenchido livremente.

São Paulo / Rio, maio de 2010
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Mundos Próprios. Arte e Modernidade, Amazônica, Brasil e Além

Resumo: A partir do romance Cinzas do Norte, de Milton Hatoum, o texto foca nos trabalhos de Oswaldo Goeldi, Emanuel Nassar, Luiz Braga e Paulo Jares, entre outros artistas atuantes entre Amazônia e Brasil para pensar processo criativos de construção de identidades artísticas.

Palavras-chaves: Milton Hatoum, Oswaldo Goeldi, Emanuel Nassar, Luiz Braga, Paulo Jares

Abstract: Starting with the novel Cinzas do Norte, written by Milton Hatoum, the text focus on the works of Oswaldo Goeldi, Emanuel Nassar, Luiz Braga and Paulo Jares, among other artists who act between Amazonia and Brazil to think the creative process of construction of artistic identities.
Key words: Milton Hatoum, Oswaldo Goeldi, Emanuel Nassar, Luiz Braga, Paulo Jares

Este texto tenta responder ao desafio posto por Aldrin Moura de Figueiredo, desde quando o conheci, para que eu ampliasse o campo de abrangência do meu olhar, incluindo objetos e temas relativos à Amazônia em minhas reflexões sobre arte, cultura e história, participando, assim, de um processo em curso de reversão do isolamento cultural em que vivem regiões brasileiras, campos acadêmicos, pesquisadores.1

Um risco de olhar de fora a arte na Amazônia é só ler nas obras a circunstância local, o que implica enclausuramento, circunscrição, entrave. De modo simétrico, é limitador não ver o dado local, deixando de explorar a multiplicidade de significados inerentes às obras de arte. Não se trata de optar por uma leitura, ou outra, mas exatamente de observar as obras no trânsito entre Amazônia, Brasil e além. Nesse sentido, o título desse texto tem pretensões provocativas ao propor que Amazônia e Brasil sejam vistos como parte e todo, mas também como duas partes e duas totalidades comunicantes entre si, no mundo.

Respondendo ao desafio de aventurar-me por mundos e caminhos que nunca explorei, começo, com audácia um tanto cega, focando no livro Cinzas do Norte, de Milton Hatoum.2 Nesse romance, desenrolado a partir de Manaus em meados do século XX, as artes plásticas perpassam toda a trama. Assim, entrelaçada à envolvente trama fictícia, há uma reflexão sobre a formação do artista e o fazer artístico, seja em sentido coletivo, socialmente referenciado - de modo singular, o autor leva ao limite a dimensão literária e ficcional da historiografia da arte, constituindo uma particular história da arte na modernidade a partir da Amazônia –, seja em sentido pessoal, podendo até, quem sabe, funcionar como um roman à clé.

A personagem principal é Raimundo, ou Mundo, apelido altamente significativo, que amplifica ao abreviar. Três figuras masculinas disputam ascendência sobre ele e giram, cada qual a seu modo, em torno de sua mãe, Alícia: seu pai, Trajano, também chamado de Jano; Ranulfo, mais simplesmente Ran, um especial amigo dela; e Arana. Olavo, ou Lavo, sobrinho de Ran e amigo de Mundo, é a quinta figura masculina central na trama, da qual é o principal narrador. As vozes de Ran e Mundo são outras com as quais o autor constrói a sua e o enredo do livro.

“‘Arte’, eu disse, ‘Ele só fala nisso. As pinturas....’” – é como Lavo responde à interrogação de Jano sobre o que ele e Mundo conversam. Além de filho problemático, Mundo é um artista, problemático também e especialmente porque artista. O jogo entre o apelido e o modo de viver da personagem principal sinaliza como Cinzas do Norte vai além de delinear o mundo de um artista, apresentando o artista como um mundo em si, o artista como metáfora (problemática) do mundo. A arte, mais especificamente o desenho, é o meio com o qual Mundo se comunica com as pessoas, os fazendo compulsivamente em seus cadernos, os oferecendo a seus amigos e interlocutores. Lavo relata que, quando o viu pela primeira vez, Mundo estava na praça São Sebastião, desenhando a nau em bronze do continente Europa como um barco adernado rumando em direção ao vazio – imagem-chave de muitas entradas: Mundo, Manaus, Brasil, época, civilização, mundo.

Trajano é um produtor de juta “atormentado pela vocação artística do filho”. Entendendo arte de modo preconceituoso e idealizado, superior, atávico, duvida da inclinação do filho – “Arte... quem ele pensa que é?” – e considera um equívoco o que pensa ser só uma opção – “Uma grande vocação artística não depende apenas de uma escolha” – chegando, em certo momento do livro, a destruir algumas de suas obras. Na casa de Jano – lugar onde se passa boa parte da trama e que é, como nos outros romances de Hatoum, quase uma personagem – há no teto da sala A glorificação das belas-artes na Amazônia, de Domenico de Angelis, imitação da obra feita pelo pintor para o salão nobre do Teatro Amazonas. Pintura que indica tanto o gosto conservador de seu proprietário, centrado na cultura artística da Belle Époque amazônica, como referências com e contra as quais se dá a formação de Mundo.

Se Jano é um opositor, Ran é o primeiro com quem Mundo fala sobre arte, quem compra e lhe dá revistas e fascículos de coleções como Gênios da Pintura, nas quais conhece outra modernidade: Daumier, arte africana, Guignard, Portinari, Volpi. Figura também fundamental em sua formação, Ran o incentiva e ajuda a fazer a Campo de Cruzes, intervenção urbana interativa com a qual Mundo pretende protestar contra os desmandos da política urbana e de habitação do governo ditatorial na cidade, a qual acentua a marginalização social confinando pessoas em condições subumanas em conjuntos habitacionais como Novo Eldorado. Intervenção que não deixa de ser uma agressão ao seu pai, ao atacar os políticos e empresários com os quais Trajano mantém relações profissionais e pessoais. Além de revelar o conhecimento e a adesão de Mundo à arte engajada social e politicamente das décadas de 1960 e 1970, essa obra permite ver como a obra de Hatoum, a princípio centrada em dramas e tragédias pessoais, é uma profunda crítica à modernização, à degeneração das estruturas arquitetônicas, urbanísticas, sociais, familiares, afetivas. Mas não só, nem simplesmente uma crítica. Basta pensar na cena em que Lavo, ao visitar os destroços da casa de Jano, demolida para a construção de um arranha-céu, apanha um pedaço da pintura do teto da sala, um fragmento no qual está figurado “o pincel com a assinatura de De Angelis”. Bela imagem na qual o narrador, o escritor em formação, se apropria de um instrumento artístico em meio a ruínas – indício de uma voz que emerge em meio à decadência, a cópias e releituras; uma voz que se constitui vinculada a tradições narrativas pré-modernistas.

Arana é outro incentivador de Mundo. É o artista com quem ele vivencia o cotidiano excepcional do ateliê, aprende técnicas, conhece tendências e meios artísticos, discute idéias: abstração, assemblage, instalação. Uma figura polêmica, um tanto misteriosa, que aparece no romance de modo um tanto difuso e vai sendo revelada, crescentemente, até o final. Reiterando a visão preconceituosa do artista (modernista) como um problema social, Jano o avalia como um “reles artista”: “Um vagabundo. Um pintor de trambolhos sem pé nem cabeça. Também faz esculturas... coisas tortas, tudo porcaria!” Ran também a ele se opõe e, revelando a farsa de Arana, que teria se tornado artista ao se apropriar das obras de Pai Jobel, “o louco do Morro da Catitita”, anuncia: “Ele deve ter algum talento, mas o charlatão é mais genuíno que o artista.” Aos poucos, delineia-se o perfil de Arana: se, de início, macaqueia para turistas ao vender os originais e as cópias das obras de Pai Jobel, chega a expor na Bienal de Artes e em galerias do Rio de Janeiro e São Paulo a instalação “A dor das tribos... A dor de todas as tribos” – título que é mais um indício a explicitar a tensão entre local e universal na obra de Hatoum –, mas troca “as formas ousadas por pinturas do pôr-do-sol”, de bichos tropicais e ciclos econômicos brasileiros, obras de encomenda para turistas, negociantes e políticos, em Manaus e Brasília. Trajetória mutante, de quase a pós-artista, que culmina com sua atuação como explorador de móveis de mogno.

À medida que o romance avança, Mundo e Arana se afastam, embora não percam o vínculo essencial, se diferenciando como artistas, pois um faz da arte um meio de vida e o outro, um modo de viver. Mundo está aberto a outras referências: aprende “muito com os livros, com as obras de arte”; aprende com os objetos feitos pelo índio velho e doente que conhece na Vila Amazônia, propriedade em Parintins na qual seu pai explora a juta; aprende no galpão do Boi Vermelho, na mesma localidade; aprende no deslocar-se entre Amazônia, Rio de Janeiro, Alemanha, Londres. Nesse fluxo, quão mais longe Mundo chega, mais assume a arte como modo de expressão subjetiva, mais a vivencia de modo pessoal, radical. Ao final, constata dolorosamente que, ao contrário do que pensava, seu viver na arte não fora propriamente uma escolha, e, diferentemente do que pretendia, não deixou de se assemelhar e dar continuidade ao trabalho de seu pai, embora inconscientemente e aprofundando o que na figura paterna se desvirtuara. Com o quê Hatoum introduz as questões da arte como destino e da sina como elemento da vida, mas também a da responsabilidade individual na condução do próprio viver.
Dor é também o que sente o leitor, quando lê que Mundo não consegue usufruir o reconhecimento público de sua arte, pois é apenas depois de morto que sua subjetividade plasmada em coisas, desenhos, passa a ser valorizada, com a venda de suas obras garantindo algum alento a sua família, então arruinada.

Especificamente sobre os impasses do fazer artístico na Amazônia, entre natureza, civilização e arte, cabe citar a frase que Mundo escuta de Albino Palha, amigo de seu pai e entusiasta da ditadura militar: “É muito difícil ser artista aqui. A natureza inibe toda vocação para a arte.” A Amazônia seria maior do que a civilização, mais forte do que a arte. Ao longo do romance, contudo, mais do que a natureza, é justo a civilização, os entendimentos cristalizados nas visões de mundo de pessoas como Jano e outros membros da elite política e econômica local, que parece impedir o fazer artístico inovador e autêntico. Curiosa, sintomática e magnificamente, é dessa tensão que emerge o narrador, o romance.
Um diálogo entre Arana e Lavo – entre o falso artista e o artista em formação, entre o artista submisso às solicitações externas e o sincero narrador das experiências vividas – oferece outra entrada para a abordagem da relação dos artistas naturais da Amazônia com a região, sobre a relação dos artistas com seus lugares de origem e os demais. Lavo transcreve o desabafo de Arana sobre um desentendimento com Mundo durante uma visita deste ao seu ateliê, após sua volta de uma viagem ao Rio de Janeiro, onde “freqüentara um curso de gravura, visitara museus e galerias”, conhecera novos artistas e referências artísticas:

“‘Ele viu tudo aqui, aprendeu tudo comigo, a perspectiva, a luz... No começo, se interessou pela nossa região, percebeu que a Amazônia não é um lugar qualquer. Mas foi se afastando de tudo isso...’
‘Nenhum lugar é um lugar qualquer’, eu disse.
‘Mas não é o nosso lugar. O que tu queres dizer...’”3

À defesa feita pelo artista plástico da condição especial da Amazônia, o escritor contra-argumenta que todo lugar oferece ao artista matéria de trabalho, mas recebe como réplica a ressalva que o lugar deve pertencer ao artista. Ou seja, na Amazônia ou em outra região do planeta, o artista, além de não ser indiferente, deve pertencer ao lugar. Na breve seqüência, delineiam-se diferentes visões sobre a relação entre o artista e o lugar em que e/ou do qual produz: a primeira pressupõe a existência de lugares especiais para a criação; a segunda postula uma indiferença em relação ao lugar, importante é o que dele faz o artista; a terceira implica imbricação efetiva entre artista e lugar. Na rápida sucessão das frases, Hatoum descarta uma condição excepcional – menor ou maior – para a Amazônia, pois a arte pode surgir em todos os lugares desde que o artista deles se aproprie. O que ganha estatuto especial, pois até Arana, um pseudo-artista, ou simplesmente um oportunista que explora desde imagens feitas pelos outros até peças de mogno, tem consciência de que o artista deve estabelecer com o lugar uma relação de mútuo pertencimento.

Pensar as relações entre a Amazônia e o Brasil por meio da arte tem muitos caminhos a trilhar. Seria possível pensar artistas que, como Mundo, nasceram na região, ganharam outras partes do país e o mundo. Nomes não faltam: Ismael Nery, Aluisio Carvão, Francisco Bolonha, entre outros. Em que medida a Amazônia – natureza, civilização e cultura – participa da formação de suas sensibilidades, continua em suas retinas, vaza por suas obras, mesmo quando forjadas em contextos outros, distantes geográfica e culturalmente?

É possível também pensar artistas estrangeiros, naturais de outras regiões brasileiras e mundiais, para os quais a Amazônia funcionou como estímulo especial. Os projetos de Álvaro Vital Brazil, Oswaldo Bratke, Lucio Costa e Vilanova Artigas respondem de modos variados às condições e exigências da região, sendo de grande significação em suas obras individuais e na história da arquitetura no Brasil. E há o caso da Severiano Mário Porto, cuja atuação a partir de Manaus foi determinante, fundamental, para a caracterização de sua obra e para algumas vertentes da arquitetura contemporânea na região.4 Para além do fluxo intenso de artistas durante a fase áurea da exploração da borracha, outro caso é o de Pierre Verger, cujas magníficas imagens de Belém são pontos altos de sua fotografia etnográficoartística.

Nesse sentido, me parece produtivo e importante falar de um artista que não nasceu na Amazônia, mas também não lhe é estranho. Melhor seria dizer que era estrangeiro em toda parte, assim como se fez natural – naturalmente estranho – dos lugares onde viveu. Penso em Oswaldo Goeldi, que foi levado a morar em Belém do Pará alguns meses depois de nascer no Rio de Janeiro, em 1895, acompanhando seu pai, o cientista Emílio Goeldi, que dirigia o Museu Paraense desde 1893. Foram cinco anos na cidade, pois, em 1900, sua família passou a residir novamente na terra natal dele. À capital paraense, Goeldi só retornou 38 anos depois, com uma obra já consolidada. Seria forçar a letra dizer que a Amazônia determinou seu trabalho só porque ele passou em Belém os primeiros anos de vida. Equívoco também seria não admitir ressonâncias amazônicas em sua obra. Goeldi é um dos casos em cujo trabalho ninguém parece querer ver circunstâncias localizadas, muito menos amazônicas. Não se trata de restringi-lo à Amazônia, a partir da biografia, mas de perceber como questões locais podem ser articuladas à sua poética. Goeldi é frequentemente apresentado como um expressionista exilado nos trópicos. Contudo, a Amazônia continua a desaguar a pergunta: quais são as dimensões equatoriais de seu expressionismo?

É certo que na maioria de suas obras nenhuma paisagem urbana específica é figurada. A cidade quase deserta, semi-abandonada, que Goeldi representa com ruas largas, casario antigo, árvores, animais, pessoas e objetos solitários não é especificamente o Rio de Janeiro, Berna, Zurique, Niterói, Salvador ou Belém do Pará, lugares onde ele viveu ou esteve durante algum tempo. São cenas urbanas que traduzem decadência, marginalização e isolamento típicos da modernidade – são universais. Mas boa parte delas também pode ser vista de modo particular, constituindo um tipo: a cidade litorânea portuguesa na América – o universal é alcançado a partir da condição local. Nesse sentido, é possível vislumbrar esquinas e becos cariocas, vielas niteroienses, largos soteropolitanos, alamedas de Belém, em seus desenhos e gravuras, embora nenhum deles esteja propriamente retratado em suas obras.

Paisagem, pescadores, peixes, gatos, edifícios e coisas também falam do viver junto ao porto, da vida em situações limiares e, portanto, têm sentido universal. Não é só nem tanto que a intimidade com o cotidiano portuário e o mundo da pesca esteja presente na vida de Goeldi desde a infância, quando ia ao porto de Belém, ao mercado Ver-o-Peso, hábito que manteve por toda sua vida, nas cidades que viveu. Mas é fato que ele fala de experiências limítrofes partir das relações entre humanos, animais e espaços urbanos que vivenciou em alguns lugares específicos, os quais – cotidianos, lugares, relações – permanecem entranhados, embora não espelhados, em seus trabalhos.

A fauna também tem ressonâncias especiais em seu trabalho. O onipresente urubu se presta bem como símbolo da marginalidade expressionista. Mas uma visita ao porto de Belém leva, imediatamente, a pensar no vínculo desse animal à cidade e, consequentemente, no de Goeldi a ela. Contudo, mais do que o urubu, Belém ajuda a perceber a reincidência de outro bicho constante em sua obra, apesar de pouco analisado pela crítica: a garça. Por exemplo, enquanto os urubus configuram um tema autônomo do Centro Virtual de Documentação e Referência Oswaldo Goeldi, as garças estão junto a gatos, peixes e outros animais no tema Fauna e Flora 5. Entretanto, na Amazônia, garças e urubus podem tanto ser vistos como bichos autônomos, de significações independentes, quanto como um par. Por mais improvável que pareça, o par formado pelo urubu e a garça ganha sentidos outros se pensado em relação à cidade de Belém, na qual, ainda hoje, é possível experimentar a presença desses animais: os urubus no porto, junto ao mercado Ver-o-Peso, as garças em sítios amenos; quando próximos, estão separados em grupos próprios, com árvores só com garças pousadas e outras só com urubus. Par que ganha ressonâncias étnicas e sociais caso se pense do dito quilombola do Alto Tapajós que me foi dito por Aldrin Moura de Figueiredo: “Onde urubu está, garça não chega”. Branco e preto, alto e baixo, ângulos esconsos e encurvamentos, fêmea e macho, graça algo esquisita e feiúra um tanto cômica, pureza e abjeção, luz e escuridão – oposições com significações ecológicas, estéticas, de gênero, étnicas, sociais, que ainda hoje podem ser sentidas em Belém do Pará e na obra de Goeldi. Se alguém perguntar se ele as traduziu objetiva e conscientemente, com algum intuito, a melhor resposta parece ser: provavelmente, não. Contudo, a questão é outra: mais do que as representações dos bichos, essas questões estão entranhadas por meio delas em seus desenhos e gravuras. Questões universais postas com elementos locais.

De modo semelhante, seria impensável defender que a lógica gráfica do trabalho de Goeldi é determinada por suas estadas em Belém, mas sim que ganha sentidos insuspeitos quando pensada em relação à cidade. Especialmente as relações entre luz e cor de suas gravuras. A luz equatorial, intensa e excessiva da cidade tanto ofusca durante o dia, exaltando as coisas e seus tons, quanto se embrenha noite adentro, fazendo o escuro emergir da cor. Perdurando, a luminosidade colore o anoitecer. Depois de ter experiências cromáticas especiais como são presenciar o alvorecer e o pôr-do-sol na cidade, especialmente junto ao rio, é difícil não pensar nas experiências gráficocoloristas de Goeldi que imiscuem negrume, luz e coloração, promovendo choques mais ou menos intensos de branco, preto e cor, fazendo pensar o que ficou em suas retinas, em seu olhar e sentir, da experiência daquela paisagem.
Em 1906, pouco tempo depois de Goeldi ter deixado a cidade, o intendente Antonio Lemos observou que o “excesso de luz solar” impedia as fotografias de captarem a modernidade progressista e bela do Pará6. Goeldi parece ter, depois, percebido qualidades nesse exagero, sua potência, e as usou na contramão, com matéria recolhida nos escombros da modernidade, para falar do decaimento e marginalidade a ela inerentes, não só em Belém.

As relações entre luz e cor constituem um gancho de conexão da obra gráfica de Goeldi com a pintura de Aluisio Carvão, cuja saturação cromática tão característica também parece derivar de seu viver primevo na região. Luz e cor que dão acesso, ainda, a certa produção de arte contemporânea de Belém do Pará, especialmente em fotografia. Vinculação que é um bom modo de escapa à limitação da mesma à circunstância local, observando seu alcance global, estabelecendo vínculos para além da condição amazônica. Pois parece que, de fora, só se quer ver o dado local da cena artística contemporânea na cidade.
Com efeito, como Goeldi, embora por caminhos diferentes e somando outras referências, alguns artistas contemporâneos de Belém têm optado menos pelos signos de progresso e beleza canônica, preferindo lidar com elementos obtidos em ruínas, destroços, a força da urbe marginal, a decadência da modernidade.

Além de valer-se do excesso de luz e da explosão cromática característicos da cidade, Emanuel Nassar vem construindo sua obra por meio da representação de coisas e lugares de uma urbanidade periférica, não modelar. Contudo, o modo como explora a ambigüidade dos signos, oscilando entre figurar e abstrair com estruturas geométricas (remetendo à obra de Alfredo Volpi), entre pintura e objeto, e, mais recentemente, entre pintura e
fotografia, aponta como questão central e profunda de seu trabalho, para além da paisagem local, o problema da representação artística e da construção da subjetividade por meio dela.

Na mesma direção, mais do que a paisagem física e humana de Belém e seus arredores, a fotografia de Luiz Braga explora a luz da região, justo o rico cromatismo luminoso das horas limiares. Contudo, ao contrário de Goeldi, que escande as cores do preto, banhando o breu de cor, Braga destila o colorido, suas nuanças e tonalidades, sutis variações, dissonâncias, iluminando coisas e seres com empática, porém algo acre, melancolia e sensualidade. Humanismo, compaixão fotográfica que dialoga diretamente, embora com certa distância, particularmente cromática, com o classicismo contemporâneo de Sebastião Salgado.

De início, as fotos de Paulo Jares também exploravam elementos típicos da cena fotográfica paraense: luz intensa, ordem construtiva, grafismo, signos urbanos, cultura de periferia. Mais recentemente, tendo como referência primeira, mas não exclusiva, as articulações entre arte e fotografia de Miguel Rio Branco, ele passou a jogar de modo mais intenso com a ambigüidade da representação, forçando os limites da abstração, incorporando questões conceituais, dialogando com o Surrealismo. Como em Goeldi, suas ruas e calçadas não são necessariamente as de Belém, pois as fotos podem ter sido feitas em outras cidades, mas não deixam de estar a ela referidas.

Visão brevíssima e arriscada do trabalho de Nassar, Braga e Jares que, além de esboçar uma vertente específica, desdobrada por questões, meios, espaços e tempos coincidentes ou não, aponta dimensões universalizantes em
seus trabalhos, as quais não deixam de estarem vinculadas a Belém, à região amazônica. Assim como Goeldi, Porto, Hatoum e outros, que enfrentam o pensar e fazer da arte na e com a Amazônia, sendo um parte do outro, se pertencendo reciprocamente, eles lidam com tensões entre local e universal para constituir suas obras, seus mundos artísticos, próprios.

Roberto Conduru,
UERJ, ANPAP, CBHA

ANPAP - 18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
Transversalidades nas Artes Visuais - 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

1 Dedico esse texto a Aldrin Moura de Figueiredo, ressalvando que as deficiências do mesmo são de minha inteira responsabilidade, enquanto o estímulo originário, de grande importância, a ele é devido.
Agradeço a ele, ainda, e ao Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará o convite para apresentar minha interpretação dessas obras no Colóquio Patrimônio, Arte e História na Amazônia, no dia 30 de outubro de 2006, em Belém, e por me ter propiciado um reencontro com Jussara Derenji, que fez uma generosa e gentil apresentação de meu trabalho na ocasião, além de comentários e questões cujas respostas pretendo ter incluído nesse texto, na medida do possível.
2 HATOUM, Milton. Cinzas do Norte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
3 Idem, Ibidem, p. 170.
4 A esse respeito, ver: CONDURU, Roberto. “Tectônica Tropical”. In: ANDREOLI, Elisabetta, FORTY, Adrian (organizadores). Arquitetura Moderna Brasileira. Londres: Phaidon, 2004, pp. 56-105; CONDURU, Roberto. Vital Brazil. São Paulo: Cosac Naify, 2000; SEGAWA, Hugo (organizador). Arquiteturas no Brasil.
Anos 80. São Paulo: Projeto, 1998.
5 http://www.centrovirtualgoeldi.com/
6 Apud PEREIRA, Rosa Cláudia Cerqueira. Paisagens Urbanas: Fotografia e Modernidade na Cidade de Belém (1846 - 1908). Belém: Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia, 2006, p. 116.
(dissertação de mestrado)

Referências
CONDURU, Roberto. Vital Brazil. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
__. “Tectônica Tropical”. In: ANDREOLI, Elisabetta, FORTY, Adrian (organizadores).
Arquitetura Moderna Brasileira. Londres: Phaidon, 2004, pp. 56-105.
PEREIRA, Rosa Cláudia Cerqueira. Paisagens Urbanas: Fotografia e Modernidade na Cidade de Belém (1846 – 1908). Belém: Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia, 2006, p. 116. (dissertação de mestrado)
HATOUM, Milton. Cinzas do Norte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SEGAWA, Hugo (organizador). Arquiteturas no Brasil. Anos 80. São Paulo: Projeto, 1998.
Currículo resumido: Roberto Conduru é professor de História e Teoria da Arte na UERJ, na qual dirige atualmente o Instituto de Artes. É autor de Arte Afro-Brasileira (C/Arte, 2007) e Willys de Castro (CosacNaify, 2005), coautor de A Missão Francesa (Sextante, 2003). É pesquisador do CNPq, membro da ANPAP e do CBHA, do qual é o atual presidente.
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Paulo Jares - Desvio do horizonte

A fotografia de Paulo Jares sempre foi marcada por captar fortes e inteligentes oposições cromáticas em recortes das coisas e acontecimentos urbanos na qual a figura humana está sempre ausente. Todas são coisas que sofreram a intervenção humana; nunca vi uma fotografia de Paulo Jares de um ambiente natural; pode ser que exista, mas não está presente nas exposições que pude ver nem nas obras que constam de coleções privadas que conheço. Entretanto, esse homem que faz as coisas, que constrói as cidades, tampouco aparece, dele só vemos suas marcas. Todas as fotos são dirigidas por um olhar para baixo, não cabisbaixo, mas voltado para o chão e para as áreas às quais damos pouca atenção, é uma literal recusa da busca do horizonte, que raramente pode ser visto nos centros urbanos. Esse desvio do horizonte, por um olhar que desce uma rampa, resulta, entretanto, em acontecimentos plásticos poderosos, uma foto que dialoga intensamente com o campo pictórico da arte contemporânea. E, talvez, por isso mesmo, seja de certa forma o paradoxo da captura de coisas abstratas.
Nas sete fotos apresentadas, na 5ª Bienal do Mercosul, salvo Desvio para Malevich (2003), de um vermelho muito intenso, e o par Sem título 1 e Sem título 2, no qual na primeira as faixas amarelas alaranjadas são fortes, e a mesma cor aparece discretamente na segunda, as outras imagens são tons do cinza ao preto, passando por reflexos prateados. Esse exercício, realizado num trajeto diário, quando percorre certos trechos da cidade, não perde em força quando comparado com as fotos de cores intensas e oposições inusitadas. As fotos quase monocromáticas, intituladas Epicentro I, II e III, pelo movimento de sua superfície, seus brilhos e variações em torno de uma mesma cor e seus matizes, são testemunhos que o olhar estético consegue emancipar o mais simplório detalhe de um chão de rua à estatura de obra de arte. E é sinal de um mundo no qual esses prosaicos e despercebidos detalhes podem ser guardadores de mais potência poética que muitas figuras que circulam na mídia com toda sua pompa e sua glória.

Texto publicado em Direções do novo espaço. 5ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, 2005.

Paulo Sergio Duarte