Tuesday, November 4

Fernando Vilela - Facebook

Texto da exposição:

Fernando Vilela

O livro do tempo

De saída a exposição de Fernando Vilela contradiz um chavão da gravura, o da reprodutibilidade. Seus enormes livros (200 x 200 cm) são peças únicas. Os volumes realizados em chapas de PVC expandido, foram impressos a partir de apenas três matrizes. Elas funcionam como módulos e vão se combinando e recombinando de maneira lúdica e sem obedecer a qualquer geometria. O raciocínio modular proporciona uma diversidade enorme de configurações. A composição gráfica se estrutura por forças que variam de sentido e intensidade, sempre girando em todas as direções.
Se as imagens podem ser comparadas com a de um relógio, como se as tiras fossem ponteiros sobrepostos, o trabalho contraria completamente toda a regularidade e a repetição que o relógio implica. Ao folhearmos o livro temos uma experiência temporal bastante singular. É como se esquecêssemos o mundo exterior e mergulhássemos no trabalho. Seu tempo é não contínuo, nem homogêneo ou retilíneo e sim um tempo que dispensa a ordem cronológica. A primazia é dada ao aspecto gráfico, e não a uma suposta continuidade do movimento do tempo ou de uma narrativa qualquer. Mesmo porque há uma série de sobreposições que, mais do que espaciais, revelam simultaneidades de tempos. Estas são ainda mais evidentes ao contemplarmos os três livros abertos, que compõe um todo em que ordem e caos não podem ser compreendidos como opostos, mas como complementares, uma vez que estão integrados, assim como os vazios em relação às áreas impressas.
A escala dos livros é compatível com a de uma porta. Virar uma página é também entrar num outro espaço. A relação corriqueira com o livro, entretanto, é literalmente invertida, ele não está em nossas mãos, somos nós que estamos dentro dele, sugados em seu interior.
Mesmo que os livros obedeçam a um planejamento rigoroso, durante a realização do trabalho o artista incorporou alguns acasos. Isso também se deve a questões técnicas, como o ressecamento da tinta sobre a tela da serigrafia. Em geral, a irregularidade das manchas sobre a chapa foi mantida. Ainda mais por serem impressões artesanais e de grandes proporções como essas (que contou com uma equipe de seis pessoas), jamais seria possível cercar plenamente o imprevisível. Essa consciência dá mais vitalidade ao trabalho e evita que ele seja compreendido como se estivesse fora do próprio tempo de sua realização. Afinal, não se trata de um projeto que objetiva ser realizado sem surpresas e com exatidão, ao contrário, o imprevisto é parte constituinte do processo tanto quanto do fluxo temporal.
As chapas oscilam entre as mais silenciosas, com poucas áreas preenchidas, e as mais barulhentas, com várias sobreposições e excessos. Elas têm uma aparência ambígua: a impressão da imagem é feita em serigrafia, mas os veios da madeira – já que as telas foram realizadas a partir de xilogravuras – são tão visíveis quanto as ocasionais imperfeições. Há um aspecto precário no resultado final, como se fossem lambe-lambes, mas alguns brilhos logo desmentem essa sensação. O industrial e o artesanal se misturam, e a facilidade que a serigrafia denotaria é contrariada pelo processo trabalhoso que o tamanho exige.
Realizados no ateliê do artista na Barra Funda, em São Paulo, que fica diretamente voltado para a rua, os trabalhos se misturaram com o ritmo da cidade. Durante a impressão, as telas eram limpas na calçada, enquanto as provas secavam sobre os suportes para lixo e acabavam se mesclando com a sujeira urbana. Esse embaralhamento da imagem com seu entorno também ocorre, de outro modo, nas gravuras em acrílico transparentes inclinadas em relação à parede. As imagens impressas, graças à iluminação, se projetam e se sobrepõem sobre outras a sua frente ou ao lado. Enquanto nos livros a sobreposição se faz num plano, aqui elas se expandem e ocupam o espaço tridimensional.
Independentemente do aspecto simbólico do livro, que se mistura com a história da humanidade e acompanha o homem ao longo dos tempos, o trabalho de Fernando Vilela estabelece certas relações complexas com o sujeito, com o espaço ao seu entorno e com a cidade que vão além da contemplação e do mero reflexo. Nós nos envolvemos em seu trabalho a ponto de entrarmos no tempo dele, que é o mesmo que o nosso, mas que também parece nos conter e superar.

Cauê Alves
2007
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Deslocamentos

O artista plástico, ilustrador e escritor Fernando Vilela traz para a Galeria Virgilio, na exposição Deslocamentos, um desdobramento das pesquisas que realizou e culminaram na publicação do livro de sua autoria Lampião & Lancelote, o qual recebeu três prêmios Jabuti de melhor livro infantil (a obra escrita e ilustrada por ele foi publicada em 2006 pela editora CosacNaify).
Ilustrador consagrado, com prêmios recebidos no Brasil e no exterior, Vilela é reconhecido também por seu trabalho como artista plástico, destacando-se suas instalações e xilogravuras. O artista tem uma forte preocupação com o espaço arquitetônico à sua volta que se manifesta na criação de objetos, como os blocos de massa negra com fendas iluminadas, que produziu para exposição na Virgilio em 2005, ou nas gravuras que aplicou diretamente sobre as paredes da galeria em exposição conjunta realizada em 2002 com Rafael Campos.
Nesta exposição, Vilela volta a dialogar com o espaço ao criar 3 livros em grandes dimensões (mais de 2 metros de altura), cujas páginas são suas próprias gravuras também em grandes dimensões. Os módulos gráficos criados, impressos e sobrepostos sobre placas de PVC expandido e acrílico criam situações de deslocamentos no espaço expositivo. Seu ciclo criativo gera uma seqüência ininterrupta de trabalho onde a arte inspira a obra literária que, por sua vez, transforma-se em fato gerador de uma nova obra de arte.
“Meu trabalho apresenta o desdobramento da xilogravura em suportes não tradicionais”, afirma Vilela. “Mostro a gravura como intervenção gráfica em espaços de arquitetura.” Na mostra, o artista expõe 7 obras com xilogravuras em vários suportes, incluindo transposição para serigrafias combinadas e sobrepostas e 20 pequenos múltiplos.

Cauê Alves

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