Monday, November 3

Rosana Paulino - textos

Texto da exposição:

Rosana Paulino

Tecido Social

O avesso que não se vê, as bordas da cidade e da sociedade. A costura que deveria estar no avesso, invisível, é trazida para a frente, para o primeiro plano, demonstrando a tentativa de se criar uma sociedade feita de retalhos opostos onde, de uma maneira que poderíamos chamar de “Franksteiniana” costuram-se partes antagônicas, díspares, de um mesmo corpo social comum, tentando fazer com que realidades socioculturais extremamente distintas convivam harmonicamente em um mesmo espaço, convivência esta buscada não pelo ato de ouvir e interagir com o outro, mas pela supressão dos direitos e pela cegueira diante do desafio.

Dentro desta perspectiva, individualidade e coletividade se chocam de modo que todos perdem. Cultura “erudita” e cultura “popular”, alto e baixo, o tecnológico e o primitivo, exclusão e inclusão, todos os paradoxos de uma grande metrópole costurados, trazendo aquilo que se pretende esconder, que se finge não ver, ao olhar público.

Ao grande pano somam-se as gravuras da série Das Sombras: Segundo Ato, repetindo elementos que estão presentes no tecido coletivo, desta vez individualizando pequenos dramas que ocorrem no dia-a-dia da cidade. Mágicas que parecem manipular nossas carências, nossas faltas. Coelhos tirados das cartolas da publicidade, do sonho de “chegar lá” (chegar onde????) e que vão minando aos poucos o sentido mais amplo do que poderia ser uma vida em sociedade, onde todos tenderiam mais a ganhar que a perder. Sombras nas paredes, retiradas de um antigo manual de entretenimento, são colocadas agora sob nova perspectiva ganhando em ironia o que perderam em inocência e pureza.

São também retiradas da grande caixa de Pandora contemporânea, a internet, as imagens que deram origem ao “vídeo jurássico” que acompanha a mostra. Jurássico porque tecnologia que hoje muitas crianças dominam, velha dentro do universo dos computadores atuais, mas ainda assim tecnologia, pois requer um aparato minimamente digital para ser feito. Tecnologia paradoxal, antiga e contemporânea ao mesmo tempo. O ultra plus da técnica convivendo com a mais ancestral desigualdade. Paradoxos presentes em um país que nos permite ver Zóio, 24 anos, bolsos cheios de pens 64 gigas fugindo da polícia na 25 de março. Zóio: semi-analfabeto. Pen drive 64 gigas: cabe uma biblioteca dentro.

Rosana Paulino
São Paulo, maio de 2010
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Tecido Social

Ler o trabalho de Rosana Paulino na chave exclusiva das relações de gênero e raça no Brasil é não só limitar seu potencial significativo, quanto tornar seus resultados plásticos como mera manifestação panfletária. Isto é, Paulino não pretende ao abordar em seu trabalho questões caras a si própria, qual seja ser mulher e ser negra, reduzir esse tratamento a uma ilustração do mundo político e das relações contraditórias que compõe a vida social brasileira. De modo que não há uma transposição de uma linguagem política para uma linguagem pictórica. Elas são na realidade dimensões inseparáveis e está aí a riqueza da interpretação do mundo social feita pela artista, quando aciona recursos expressivos como a monotipia.

Desde 2006 Rosana Paulino vem se aprofundando no uso e entendimento das potencialidades expressivas da monotipia, técnica de impressão sobre a qual ela engendra os trabalhos de sua mais recente exposição Tecido Social, na galeria Virgilio em São Paulo.

Ao ver suas monotipias coloridas Hora da limpeza e Corrida 2010, nos damos conta do seu domínio dessa tecnologia de comunicação.
Não sem esforços as dificuldades com a monotipia são por ela superadas em séries de testes até obter o resultado do trabalho que chegará a público. Desta maneira, se a cor preta, dirá Paulino, “não tem mistério” encontrar, ao contrário o vermelho único, o amarelo do momento, o azul ideal são tarefas difíceis, mas reencontrá-las iguais a um trabalho anterior parece mesmo impossível.

Seu uso da monotipia não se limita as impressões em papel, pois ao fixar um certo repertório de imagens passíveis de reincidência em tecidos de texturas díspares, aproxima e distancia, configura e costura relações em linha e agulha. Nesse território ela não está sozinha, basta lembrar-mos que o ato da costura, como ferramenta expressiva tem lugar diverso na arte brasileira (Arthur Bispo do Rosário, Beth Moisés, Efrain Almeida, Leda Catunda, Leonilson, Leticia Parente, Nazaré Pacheco, Regina Gomide Graz, Rosana Palazian).

Em Babel, as impressões se desdobram múltiplas no espaço vigoroso dos tecidos: sua cor, sua textura, sua extensão são fundamentais para os resultados expostos na Virgilio.
As mulheres impressas se multiplicam em tarefas e papéis sociais definindo formas de participar da composição, da feitura do tecido. Tecidos grossos recebem feminilidades cada qual com sua intensidade cromática indo do cinza ao preto. A artista embaralha os tipos femininos e isola, entre eles, numa sobreposição delicada de tecidos um homem solitário e seu solitário coração. Aqui aparece o vermelho único em todos os sentidos. Ele é o coração solitário e humano no esquema montado para sustentar verdades matericas do tecido social. É como se tanto em Babel quanto em Tecido social, as coisas que estruturam a trama fossem reveladas entre muitas outras possíveis. Elas são impressões, são papéis figurados, são definições no jogo social.
A costura desses pedaços de tecidos uns aos outros parece ser uma estratégia para forçar a aproximação entre coisas talvez distantes entre si. Nessa operação ela gera territórios contíguos, feitos a marra numa costura, que se mostra ao avesso revelando muito do jogo de esconde esconde da ficção social. Aqui essa trama aparece límpida manifestando o controle que se quer registrar nos suportes que recebem o carimbo monotipo.

Alexandre Araujo Bispo
Maio de 2010
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Rosana Paulino

MELLADO, Justo Pastor. Trans/migraciones: La gráfica como practica artística contemporánea. Porto Rico, Trienal Poli/Gráfica de San Juan: América Latina y El Caribe. Instituto de Cultura Puertorriquenã, 2005. páginas 66 e 67.
ISBN: 0-86581-612-3.

La artista brasileña vive y trabaja en São Paulo. El curador Ricardo Resende, responsable de varias exposiciones sobre grabado en el seno del Museu de Arte Moderna de São Paulo, señala, en la presentación de la exposición Son o no son grabados? (2001), que la discusión sobre la especificidad del grabado y de los limites del lenguaje gráfico está presente, desde hace más de una década, en diversas iniciativas curatoriales. En el contexto brasileño menciona la existencia de El grabado como escultura (1998), Grabados, grabados (2000) y 15 años del Grupo de Coleccinistas de Grabado del MAM (2000), todas ellas realizadas en el museo antes mencionado. A juicio del curador, la novedad de Son o no son grabados? Residió en haberse privilegiado el recorte tecnológico como método de reflexión sobre el estatuto de las artes gráficas en las últimas décadas. La inclusión del trabajo de Rosana Paulino en la sección Impugnaciones se finca en la índole de su desplazamiento tecnológico, en el cual se combinan dos procedimientos: uno, de presentación; el otro, de re/presentación. No obstante, la presentación implica el tenor material del dispositivo de intervención de la imagen, cuya representatividad está asegurada por un dispositivo de reproducción simple; como simple nos puede resultar, hoy, apelar a la reproducción xeroscópica de una imagen sobre género. A nivel de la imagen, su impugnación pone en crisis el realismo de la procedencia, ya que instala la distancia socio-histórica, mediante la recuperación facial de mujeres mestizas, cuyos rostros, de denotación socialmente limítrofe, es impresa sobre fondo blanco en remedo a la noción de “passe-partout”. Sin embargo, trátase de un camafeo sin la menor referencia familiar, aunque el bastidor nos remita a un espacio de tecnología doméstica vinculada al adiestramiento de una función social específica: la da bordadora.

Qué hace una bordadora...? Reproduce el monograma de las iniciales de una escena conyugal, representada al pie de la letra. Sin embargo, aquí hay algo notorio: las intervenciones de hilo bordado sobre las imágenes delactam una fatura extremamente torpe; ésta termina por confundir el bordado regular con el desorden de un zurcido que no cumple con las reglas mínimas de una correcta manufactura. Eso implica poner en abierta evidencia la presencia de la irregularidad en la reparación del trauma a nivel de imagem. Un trauma es una perturbacion en la continuidad de la piel. El zurcido (tecnologia manual), al ejercer su violencia inscriptiva sobre la tela (tecnologia xeroscópica), esta reproduciendo, a su vez, la violencia social antes ejercida en la propia representación de la facialidad de las mujeres y, de algún modo, habilitada por la tecnología fotográfica. La acumulación de hilo, sobre las zonas señaladas en la imagem, forma um relive en cuya sugerencia debe entenderse un túmulo gráfico, indicando así lo irreparable del rostro, como campo de fuerzas donde confluye la agresión; es decir, de la representación de la facialidad como agresión constitutiva de una identidad averiada.

Justo Pastor Mellado

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